Francielle de Souza

Há um processo muito natural na vida: o de sair de casa. Quando se atinge um nível mínimo de amadurecimento, pegamos a mala e pronto: saímos a buscar outros sonhos. Durante esse processo de transcender, essa passagem, esse meio da ponte em que um lado é deixado na memória e o outro é o inesperado, o medo do que está por vir, o mais tortuoso talvez seja deixar a cidade. Parece bobo, leitor, mas não é. A cidade é muito mais do que o lugar que te guarda. É o lugar que te forma. Coloque um senhor do campo em uma metrópole e pense se é possível que ele esqueça o ar fresco e o sorriso acolhedor próprios do interior. Coloque um grande empresário no campo e imagine se é possível que ele deixe de se preocupar em um curto prazo de tempo com o tic-tac do relógio, que é tão frenético na metrópole.

Sair de casa é uma passagem. Do corpo e da alma. É algo que exige amadurecimento, preparação. Arrisque-se a pensar agora, leitor, em 600 pessoas saindo de casa. Pense em sair para trabalhar e, quando voltar, já não há mais casa. Não há mais cidade. Imagine um mar de lama que, em minutos, tira de você o seu lar. Esse não é um processo, é um rompimento. Parece que tudo se ajeitará quando essas pessoas encontrarem um outro lar, uma outra cidade. Só parece.

Rompeu-se ali, em Bento Rodrigues, o processo de formação dos seus habitantes. Não houve aviso, não houve preparação, não houve amadurecimento. Houve passagem forçada. Os habitantes do vilarejo, acostumados a comer geleia de pimenta, iguaria local, agora terão que respirar outros ares, buscar outros sonhos, pisar outro chão, beijar outras bocas, dançar outras danças, cantar outras cantigas, descobrir outros prazeres. Como pássaros que migram forçadamente por causa do inverno, os habitantes de Bento terão, agora, que alçar novos voos.

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